Finalmente poderei consultar o diário do outro estagiário.
Aproveito o momento em que O Menino faz seu café para lê-lo.
O diário é horroroso!
Não diz nada que seja útil para quem tem a tarefa de dar continuidade a um trabalho de inclusão.
Não há descrição das atividades, limita-se a um paragrafo de poucas linhas. Algo como: “hoje trabalhamos com as letras do nome do Menino ”.
Não há referencia alguma do repertório usado nas atividades de musicalização.
A única referencia que encontrei foi de um dia que ficou só na escola(1) e dançaram a coreografia do “ai, ai, se eu te pego”
Durante a aula de matemática resolveu ajeitar os mapas presos na janela ao nosso lado.
Depois penduramo-os na parede do fundo. Ficou melhor.
Tem dois meninos , ambos com mesmo nome, que se divertem muito com O Menino.
Um é mais esperto, do tipo “mau aluno inteligente”, faz caretas e gesticula pro Menino, e este o acompanha.
O outro é dispersivo, um falso malandro; faz qualquer coisa pra não fazer nada, sempre atrasado nas tarefas e em voz alta fica incitando O Menino para folia e chamando a atenção da turma para verem O Menino.
É boa a interação mas indevida.
O trabalho de inclusão não deve incluir perturbação das atividades escolares das demais crianças.
Um dos meninos, cobre o rosto com as mãos e de súbito descobre o rosto virando-se e dizendo: “boo”.
O Menino ri muito e repete a brincadeira.
O recreio pareceu animado até a chegada daqueles meninos que ontem brincavam com O Menino.
Foi difícil fazê-los parar de tentar ensinar O Menino a “brincadeira do momento”.
Eles seguram o braço do Menino, fecham sua mão e direcionam para a genitália de um dos colegas dizendo: “Bate forte, assim. É divertido.”
Durante toda a semana vi meninos correndo e soqueando livremente seus testículos durante a hora do recreio.
Parece que as professoras de plantão divertem-se com as caretas dos meninos alvejados.
Minutos antes de soar o sinal as brincadeiras tornaram-se estúpidas.
Começaram a puxar O Menino pelos braços e empurravam uns aos outros com violência sobre O Menino.
Quando voltamos a sala de aula O Menino estava bastante agitado e seus colegas ainda mais.
Haviam jogado futebol durante o recreio, eufóricos falavam muito alto e batucavam nas mesas.
O Menino acompanhava o batuque.
Para tirá-lo daquele ambiente elétrico, a professora de artes pediu que O Menino ajudasse a levar os rolos de papel higiênicos pra cozinha.
O Menino é prestativo e gosta de organizar as coisas.
Descendo as escadas, O Menino foi me entregando seus rolos de papel higiênicos, um a um.
Quando estava com as mãos vazias, já no piso térreo, empurrou-me na altura dos ombros, usando as duas mãos (como lhe fazem os meninos da outra turma).
Não entendi esta reação.
Se fez por achar divertido ou pra protestar achando que sou o responsável pelo fim da folia da sala de aula.
Depois fomos até a biblioteca separar alguns potes de tinta.
A professora entrega o pote ao Menino e ele deposita na caixa que seguro.
Mudamos de local na sala e a caixa começa a ficar pesada.
Por segundos abaixei-me para por a caixa no chão e buscar uma cadeira.
Não falei a ninguém desta minha intenção, apenas abaixei-me.
Aproveitando este momento, O Menino abriu um pote de 250ml de tinta acrílica e despejou na minha cabeça.
Fantástico! Muito bom!
Uma prova contundente de que seu cérebro é ativo, capaz de criar improvisos a partir de situações inusitadas.
Contrariando o suposto atestado de psicótico, que é aquele que planeja seus atos e não descansa até que os execute, O Menino foi espontâneo.
Se ele imitou alguma cena da TV, não sei.
Mesmo se for, associar o fato de ter um pote de tinta na mão, ver alguém que deveria estar em pé baixar-se, num impeto abrir o pote e antes que o outro levante derramar na sua cabeça é porque as sinapses estão acontecendo.
Ele não é um retardado mental.
(1 )neste dia a escola participou das olimpíadas de matemática
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