Alguns meses antes de ser contratado, pessoas que já trabalharam com este menino me alertaram:
"Ele tem transtornos psicóticos." "Ele não fala e é agressivo." "Cuidado! Jamais deixe objetos ponteagudos perto dele, como canetas e tesouras." "Ele agride a própria mãe!" " Ele rasga os cadernos dos colégas e joga est
ojos e mochilas pela janela."
Aqui relato minhas experiências diárias como professor auxiliar num programa de inclusão numa escola pública de uma cidade agrícula no interior do sul do Brasil. Num total de 13 encontros.

Dia 05, sexta feira


Quando O Menino chegou à escola, havia uma movimentação intensa de alunos no pátio, posicionando-se para uma 'hora cívica'.

Não sabendo como funcionam as coisas por aqui, posicionamo-nos com os outros alunos.

Ao ver a coordenadora pedagógica da escola fui ao seu encontro e perguntei se devíamos ficar ali.

Ela perguntou se ele havia tomado seu café, respondi: chegou agora.

Explicou-me que independente de qualquer atividade da escola, primeiro deve-se levar O Menino pra tomar café.

Fomos à cozinha, sentamos noutro banco do pátio.

Durante a execução do Hino Nacional, cantei parte dele.

O Menino sorria expondo todos os dentes.

É a primeira vez que vejo seus dentes.

Continuei cantando. Ele fez um gesto junto as costelas como quem toca violão.

Falei: 'Isto mesmo! Depois que eles saírem vamos tocar violão.'

Na biblioteca(1) com os instrumentos, repetimos a atividade do dia 02.

Desta vez, enquanto tocávamos, improvisei vocalizes no estilo bip-bop, na intenção de motivá-lo a imitar-me.

São sons divertidos e de fácil dicção.

Uma professora abriu a porta da sala, me encarou com olhar repreensivo, não disse nada e fechou a porta com extrema violência.

Considerando que não fui comunicado possível incomodo gerado pela música e que a coordenação da escola decidiu que devo substituir a professora de música nas atividades de musicalização, continuamos nossa suave melodia.

Durante o recreio os alunos da outra 6ª série vieram brincar com o Menino enquanto estávamos sentados no banco.

Eles se divertiam e novamente senti a desconfortável sensação de trote quando as brincadeiras dos ditos normais tornaram-se agressivas.

Pedi que parassem e que deixassem o Menino em paz.

A solução foi passear com O Menino pelo pátio de mãos dadas.

Descobri que enquanto segurava a mão do Menino estes meninos, que nos seguiam, não davam empurrões, nem encontrões e nem chutavam seus calcanhares enquanto caminhávamos.

Na sala de aula seu comportamento foi surpreendente.

A turma foi dividida em grupos para trabalharem aquele texto do Almir Klink (2).

Nosso grupo era o mais inquieto. Com cochichos e risadinhas divertidas.

Embora a professora de Língua Portuguesa tenha odiado e socializava seu aborrecimento com a turma, deixei-o a vontade para observar as reações.


Até este dia não sabia se O Menino tinha dentes. Ele sorria mostrando todos.

O Menino começou a fazer carinho com a mão aberta, como aquele que fazemos nos bebes dando delicados e repetidos 'tapinhas', na parte de cima das mãos dos colegas.

Depois começou a fazer massagens nos ombros dos colegas.

Ele é um menino carinhoso que presa a afetividade.

Hoje é o segundo dia consecutivo que não lançou objetos.

    1. na verdade trata-se de um depósito de materiais gerais; deveria receber a identificação de almoxarifado.

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